Comunicar é governar

Como bem disse Mencken, “para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. Governar é um problema complexo. Governar em uma democracia, ainda mais. Governar democraticamente um estado em profunda crise financeira, bem, acho que o argumento está claro.

 

É muito tentador tentar atribuir a um único fato a eleição deste ou daquele governante. Mais ainda, a um único ambiente, como o digital. As redes sociais são um elemento indiscutivelmente importante na nova dinâmica social e política, mas elas não acontecem à parte da sociedade e nem a substituem ou esgotam. Elas acrescentam uma camada a mais no já complexo cenário de uma sociedade contemporânea.

 

Comunicar, como o próprio nome sugere, é tornar comum um significado. Compartilhar uma visão, um caminho, um propósito. Assim, o ato de comunicar, para uma instância de governo, se confunde com o próprio ato de governar. Comunicação não é a cereja de um bolo, é um de seus ingredientes. E, entre o arsenal de possibilidades que uma gestão tem para se comunicar com todos os seus cidadãos, está a publicidade institucional.

 

Através do uso ético da publicidade institucional, uma administração pode não só prestar conta de suas ações aos cidadãos, mas também apresentar a lógica de suas decisões e atos de forma direta e persuasiva, inclusive em veículos de comunicação que tenham linha editorial crítica à sua gestão.

 

Governantes e representantes eleitos podem, e naturalmente o fazem, usar as suas redes sociais para interagir diretamente com a população. Entretanto, é da natureza dos algoritmos das redes sociais dirigir a exposição dessas mensagens a pessoas já abertas a elas. Ou seja, uma postagem é exibida para um número ínfimo de seguidores de um perfil e, mesmo assim, preferencialmente para aqueles que já reagiram às publicações desse mesmo perfil. É o fenômeno já conhecido e descrito das bolhas de informação da internet. Superar tais bolhas requer impulsionamento pago às plataformas (ou seja, requer investimento com publicidade).

 

E aqui, entra um outro aspecto da boa governança pouco falado por quem defende o uso exclusivo de tais ferramentas na comunicação pública: embora se comportem como veículos, os gigantes internacionais das mídias sociais se auto-intitulam “plataformas” e, assim, escapam das regulamentações observadas pelos veículos de mídia em todo o mundo.

 

Esse comportamento tem sido alvo de escrutínio em diversas instâncias legais e legislativas ao redor do planeta, em especial na União Europeia e nos Estados Unidos. O diagnóstico de que tais plataformas não têm se comportado de forma transparente e ética está consolidado, tendo o próprio fundador do Facebook assinado um anúncio veiculado em diversos jornais impressos americanos e ingleses por ocasião do escândalo envolvendo sua empresa e a Cambridge Analytica acerca do compartilhamento de dados dos usuários com terceiros sem o conhecimento ou autorização dos primeiros.

 

Diferentemente também das mídias clássicas, tais plataformas não permitem auditoria de sua entrega publicitária por terceiros, o que tem gerado incerteza para grandes anunciantes globais.

 

Por fim, o avanço avassalador das plataformas digitais tem produzido efeitos só agora melhor dimensionados: embora absorvam 60% da receita gerada por publicidade digital, os dois maiores players não empregam os profissionais que trabalham na apuração e redação das notícias, não remuneram o capital dos empresários dos meios de comunicação e não recolhem impostos nas cidades, estados e países tão impactados por eles.

 

O uso da publicidade institucional por governos e instituições públicas pode e deve ser discutido, criticado e acompanhado por todos os segmentos da sociedade. Transparência e conformidade às leis e normas do país, estados e municípios são fundamentais e precisam ser levadas às últimas conseqüências. Mas acreditar que toda a comunicação governamental pode se dar através de um único ambiente, em especial um com tantos aspectos a serem considerados, não é apenas ingênuo, é má governança. É uma solução simples e errada para um problema muito complexo.